segunda-feira, 22 de março de 2010

Ela tocava o piano

Ela tocava o piano. Seus dedos já não pertenciam a si. Pertenciam a algo maior. Ela se emprestava toda à melodia e nela ficava submersa. Seus dedos tocavam as teclas como os dedos que tocam a medalha de ouro, amada medalha, com amor conquistada. Esses dedos percorriam tais teclas com pressa, com voraz sede do fim, ou sede da intensidade do momento. Se pudesse, beberia esse momento, gota a gota. Sim, ela queria completar a música, porém apreciava cada nota. Suas unhas, pintadas por um esmalte preto, descascado, eram uma visível demonstração de seu luto. A sala escura era, claramente, um reflexo de sua escuridão interior. Sozinha, nessa sala, ela se bastava. A música se tornou seu complemento, sua bebida, seu prazer, seu sentido. Sua lugubridade se transforma em ação, seus gestos se mesclam à poesia.
E saia o som.

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