sábado, 6 de março de 2010

4 horas

Tinha um copo com água ao lado de sua escrivaninha, uma angústia em seu peito febril, ardendo e corroendo sua interioridade. Um suor escorrendo de sua testa, misturando-se às lágrimas que jorravam de seus olhos, abruptamente, deixando a visão, já prejudicada pela baixa claridade da lâmpada de seu abajur, ainda mais turva.


Sua caneta já estava quase sem tinta. Observava o quanto de escritos havia dispensado em detrimento à coisas que o preocupavam. Seu saldo no banco já quase nulo... Seus gastos com remédios não paravam de aumentar.



A preocupação o impedia de dormir adequadamente. Geralmente, pesadelos antipáticos e nada corteses, tal como pesadelos são, o visitavam sem serem convidados, sem trazerem nada de bom consigo. O sono, antes refúgio para as dores do mundo, se tornara outra cruz a sustentar.


Dessa vez, entretanto, seu sonho não havia sido interrompido por gritos ou marcas de sangue jorrando pelo chão: havia sido abordado por sussurros que ouviu e que lhe trouxeram inspiração. Como? Não soube explicar... Só sentia dentro de si que aquela seria a história de seus dias, tão passíveis de improdutividade e sensações negativas que não conseguia atingir o controle.


Com um pedaço de papel que utilizaria para calcular as despesas de contas a serem pagas, compulsivamente, se pôs a escrever seu roteiro. Não era escritor, mas naquele instante se fez. Seu corpo precisava da cura de sua doença. Sua alma não precisava de mais nada...


O relógio marcava quatro horas da madrugada. O êxtase do momento o deixara anestesiado, de modo que o copo com água manteve-se cheio no decorrer de dezenas de minutos de absorção. De seu físico, nessa hora, se esqueceu. Sua necessidade era outra: ele tinha sede de arte, e não podia esperar... E nada mais podia...

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